segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os amigos de bairro

Se tem um tipo de amizade que a gente nunca se esquecerá são as amizades de bairro. Não que as outras amizades sejam mais ou menos reconhecidas no momento, mas no futuro as amizades de bairro certamente terão um espaço diferenciado na memória.

As pessoas do seu bairro estão sempre com você, conheça você elas ou não. O fato de vocês serem transeuntes de um mesmo espaço aumenta a possibilidade de encontro, de cruzamento de olhares. Os amigos de bairro então...mesmo que você não queira, você vai encontrá-los. Seja nos dias de dilúvio ou nos dias de sol; nos dias de seca ou nos de fartura. Essas pessoas que dividem espaço da cidade com você são muito acessíveis e por isso a segregação é, além de natural, oportuna. Quem espera ônibus com você, quem divide táxi, quem vai na sua casa quarta de tarde são os amigos de bairro - e todas essas tarefas são executadas com frequência.

Entre esse tipo de amigo existe uma afinidade maior. Os amigos entendem a sua língua, entendem a sua onda. A sintonia é afinada justamente por dividirem o espaço ao redor. Tirando a exclusividade - ou não - dos apartamentos de cada pessoa, o resto é o mesmo:calçadas, padarias, caminhos, amigos.

(quem me conhece deveria estar esperando)
Isso tudo é agravado se você mora em Laranjeiras, o bairro mais segregador do Rio. Laranjeiras é um bairro que tem fim, não é um bairro de passagem. Portanto, quem está ali sabe como e por que chegou. Quem mora em Laranjeiras sente um orgulho - muitas vezes besta - de morar aonde mora. É um orgulho quase ufanista, que eu jamais quero deixar de ter.

Quem mora em laranjeiras pouco provavelmente está sozinho. Andamos em bando, no nosso bando. Você já viu um soldado sem seu pelotão?! Somos dependentes uns dos outros. Por amizade e pela nossa guerra diária contra essa onda anti-laranjeriana que a SMTU instaurou sobre nós.

Alguns dias atrás eu ouvi a seguinte frase "amigo de trincheira a gente nunca esquece". É mais ou menos por aí que eu pauto a minha análise sobre amigos de bairro. Foram tantas vitórias, tantas derrotas, praias nubladas e demoradas esperas de ônibus. Foi muita fumaça, solas de tenis e futebol. Foi tudo isso e será um pouco mais o que eu dividirei com os amigos do meu bairro.

Divida isso com eles, ninguém precisa de mais do que isso.



quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Sejamos menos pretenciosos

Qual o problema de ser menor, de ser menos?

Existe uma vontade no ar de que todos sejamos cheios de virtudes, de vivências, sabedoria. Mas não é num estilo aristocrata dessas exigências, é um estilo "pós-aristocrata" - mas de bananeira não dá maça . Você precisa ser sábio e alienado. Ter lá suas virtudes e não usá-las exatamente - usá-las, sim, para reafirmar o que já está concretizado. Ter as suas experiências, sua vivência, mas se isso minimizar algo maior do que você, descarte-a.

É com esses parâmetros de visão que eu monto a minha visão. É a textificação da máxima "ser menos para ser mais", dado o contexto. Exigem - nós exigimos também - essas peculiaridades da gente para nada. Não querem que a gente use as ferramentas, mas que nós a tenhamos em mãos quando necessária. É uma opressão sem cara de censura. É um disfarce do controle que existe. Afinal, saber de mais nunca foi bom pra ninguém, só, talvez, pra quem sabe.

Uns tipos de matéria de conhecimento são mais nobres que os outros, quando não deveriam ser. Não prego igualdade de remuneração para as tarefas feitas a partir do conhecimento - o trabalho -prego igualdade de reconhecimento para os diversos tipos de conhecimento. As construções hierárquicas entre e dentro dos campos de conhecimento são sustentadas simplesmente pela remuneração, pela nobreza e não pelo cargo em si - afinal, todos os cargos são inter dependentes.

A censura à ignorância é a própria ignorância. Conheça sim, mas também saiba ser ignorante. E saiba como um ignorante pensa. Nem tudo se mede pelo que se expõem, ou pelo menos deveria ser assim. Tenha virtude, sabedoria e vivência o suficiente para saber quando alguém está manipulando as suas ferramentas para uma construção do que não faz idéia do que seja.


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Se é assim, eu mando um bilhete pra didi

As coisas estão um pouco confusas. Meio fora do normal. Deve ser o inferno astral que é a tpm do aniversário.Mas pelo hábito, ou mesmo pelo gosto, eu vim aqui.

O Paulo está na meia-idade. Ele é curvo, ele é pequeno. Tem um olhar mórbido e é esquelético. Quase ninguém olha pra ele. Ele é quase sem virtude alguma - quase. Paulo carrega 1 tronco de árvore que pesa mais que seu peso por 2 ou 3km. Ele, que morava em Garituba, voltou pra lá agorinha pouco ,faz 1mês . Passou 3 anos sem exercer sua excelencia, na verdade, não fazia nada.
Comia com dinheiro apostado, dormia com dinheiro apostado. Como a jogatina não é um campo que ele domina, as vezes não comia, muito menos dormia.
Quando chegou no Rio, era um poeta - fracassou. Virou pintor, não deu certo. Quando inspetor roubava a merenda das crianças - foi demitido. Virou andarilho - desistiu.
Na sua volta pra Garituba ele só pensa nos troncos que pode carregar. Na paz da floresta, no sabor do campo.
Garituba é campo e praia. Onde Norte e Sul. É sol e nublado. É tudo, mas é quase nada.

Quando Paulo chegar, vai mandar um bilhete pra Didi. Didi é uma companheira, uma amiga que Paulo arranjou. Didi certamente ficará contente em saber da desventura de seu amigo. O bilhete que ele ia escrever era assim:
"Didi, se eu tivesse triste, saberias
se tivesse arrependido, saberias
se soubesse o que passei louvarias
mais do que eu, a mim mesmo
Hoje sou mais pelo Rio,
mas não pretendo nem pensar
do Rio sendo modificado por mim.

Voltarei a carregar meus troncos."

E assim ele fez.
Nasceu, morreu, renasceu e morreu.


Fim.